Estava eu numa das tradicionais esperas pelo autocarro, e senta-se uma senhora idosa ao meu lado. A senhora, pouco ágil, culpa da idade, pede-me amavelmente para me chegar um pouco para o lado e senta-se ocupando quase a totalidade do banco. A pobre da minha querida namorada acabou por ficar com um glúteo sentado e outro de fora.
Ora que chega outra senhora, que não sei porque começa com aqueles desabafos ignorantes de café. “Estes emigrantes, só vêm para aqui roubar-nos os trabalhos, e nós não temos trabalho por culpa deles, e blá blá blá”, tretas! Tive que me conter para não começar a disparar contra a pobre ignorante senhora… Não é que, para surpresa minha, a frágil idosa decide fazer aquilo que eu tanto me contive e começa numa defesa cerrada destes injustiçados emigrantes. A senhora, com os seus 80-90 anos (já era bisavó!), não era capaz de ter um tom de voz muito elevado, pelo que rapidamente acabou ignorada pela senhora mal disposta, coitadinha.
Coitadinha, coitadinha, acabou-se por virar para mim, não a discutir, mas mais uma vez acabei por ser o simpático rapazinho que ouve as históriaszinhas das velhotas, num dos seus (longos) desabafos. Ora a senhora contou-me que a sua bisneta, uma jovem de 21 anos, passa por muitas dificuldades e que ela, apesar da sua reforma mísera de 600 euros – sim, ela contou-me todos os detalhes! – lá vai ajudando a neta a ultrapassar as dificuldades. Isto sim, é uma avó!
Contou-me que com os aumentos do passe – quase de 30% para nós, jovens estudantes – a neta passou dos 60€ para 100€ e que mesmo assim continua a pagar-lhe o passe com muito amor. A rapariga, que vive em Setúbal, também não tem tido uns dias muitos fáceis. À poucas semanas acabou assaltada lá na margem sul, depois de um jantar em casa do namorado, parece-me, por três jovens “escuras” (citando a senhora). Perguntaram-lhe se tinha telemóvel e roubaram-lhe o telemóvel, cinco euros e ainda lembram-se no final de roubar aquela camisola que ela tanto gostava. E a avó, num dos diálogos que maior ternura que já ouvi disse à sua amada netinha: “Minha filha, vê então algum telemóvel que gostes, que a avó oferece-te, não te preocupes. E a camisola que te roubaram era aquela de malha que gostavas muito? Não faz mal, a avó vai procurar uma igual e oferece-te.”.
Digam-me lá se isto não é uma ternura de pessoa! Nos 10 minutos de espera do autocarro que a senhora falou comigo, acabei por deliciar-me com esta idosa, curvada, de aspecto frágil, e com um coração tão doce. Que dure até aos trinetos!