Henrique Mouta

Há coisas do caraças....

Avó do autocarro

Estava eu numa das tradicionais esperas pelo autocarro, e senta-se uma senhora idosa ao meu lado. A senhora, pouco ágil, culpa da idade, pede-me amavelmente para me chegar um pouco para o lado e senta-se ocupando quase a totalidade do banco. A pobre da minha querida namorada acabou por ficar com um glúteo sentado e outro de fora.

Ora que chega outra senhora, que não sei porque começa com aqueles desabafos ignorantes de café. “Estes emigrantes, só vêm para aqui roubar-nos os trabalhos, e nós não temos trabalho por culpa deles, e blá blá blá”, tretas! Tive que me conter para não começar a disparar contra a pobre ignorante senhora… Não é que, para surpresa minha, a frágil idosa decide fazer aquilo que eu tanto me contive e começa numa defesa cerrada destes injustiçados emigrantes. A senhora, com os seus 80-90 anos (já era bisavó!), não era capaz de ter um tom de voz muito elevado, pelo que rapidamente acabou ignorada pela senhora mal disposta, coitadinha.

Coitadinha, coitadinha, acabou-se por virar para mim, não a discutir, mas mais uma vez acabei por ser o simpático rapazinho que ouve as históriaszinhas das velhotas, num dos seus (longos) desabafos. Ora a senhora contou-me que a sua bisneta, uma jovem de 21 anos, passa por muitas dificuldades e que ela, apesar da sua reforma mísera de 600 euros – sim, ela contou-me todos os detalhes! – lá vai ajudando a neta a ultrapassar as dificuldades. Isto sim, é uma avó!

Contou-me que com os aumentos do passe – quase de 30% para nós, jovens estudantes – a neta passou dos 60€ para 100€ e que mesmo assim continua a pagar-lhe o passe com muito amor. A rapariga, que vive em Setúbal, também não tem tido uns dias muitos fáceis. À poucas semanas acabou assaltada lá na margem sul, depois de um jantar em casa do namorado, parece-me, por três jovens “escuras” (citando a senhora). Perguntaram-lhe se tinha telemóvel e roubaram-lhe o telemóvel, cinco euros e ainda lembram-se no final de roubar aquela camisola que ela tanto gostava. E a avó, num dos diálogos que maior ternura que já ouvi disse à sua amada netinha: “Minha filha, vê então algum telemóvel que gostes, que a avó oferece-te, não te preocupes. E a camisola que te roubaram era aquela de malha que gostavas muito? Não faz mal, a avó vai procurar uma igual e oferece-te.”. 

Digam-me lá se isto não é uma ternura de pessoa! Nos 10 minutos de espera do autocarro que a senhora falou comigo, acabei por deliciar-me com esta idosa, curvada, de aspecto frágil, e com um coração tão doce. Que dure até aos trinetos!

Amizade

As pessoas cada vez mais me desiludem. Confesso que toda a minha vida fui ingénuo. Considerava que as pessoas na sua grande maioria fossem boas pessoas, santinhas, amigas, verdadeiras. A verdade é que nos dias de hoje é mais difícil encontrar alguém que encaixe essa descrição do que alguma vez pensei.

As pessoas são falsas, mal agradecidas, egoístas… Já disse que também são falsas? Nos últimos tempos a quantidade de pessoas que considerava realmente boas amigas e que estariam disponíveis para me ajudar está em queda acentuada… Não creio que tenha mudado tanto ao ponto de levar pessoas a quem era capaz de confiar a vida a, quase literalmente, dar uma facada nas costas. A Crise até poderá ser um motivo, devido ao enorme stress que cada um tem que lidar, mas não creio que seja isso. A única justificação é mesmo a minha ingenuidade e o defeito de confiar demasiado nelas.

Felizmente há aqueles amigos que duram a vida toda. Uns mais recentes, outros mais antigos. O que é certo é que, apesar de todos aqueles que se aproveitam de mim, tenho grandes amigos com quem posso contar. Depois de grandes desilusões com amigos que considerava irmãos mas que num acto de falsidade quase sobre humana conseguem arranjar uma justificação para lixar-me, não tenho dúvidas que já estou mais apto para seleccionar os bons amigos. É um pouco como a Selecção Natural, defendida por Darwin, os verdadeiros amigos ficam, os outros passam à história.

Até agradeço esta visão do Mundo e das amizades que me estão a mostrar. Acaba por ser uma preparação para o mundo real, para o que tenho que lidar no futuro. Assim já sei o que me espera e já vou ganhando aptidão na escolha de quem realmente vale a pena. Os verdadeiros amigos contam-se pelos dedos e enquanto assim for estou bem servido :)

Termino, por fim, este meu desabafo com um enorme agradecimento aqueles que realmente estão ao meu lado, e que, sem dúvida, estarão até ao fim da minha vida. Muito obrigado!